Barreiras criadas pelos indígenas nas entradas da aldeia respeitam as recomendações sanitárias e controlam a entrada de visitantes. Policiais ameaçam voltar com contingente maior.
Imagem: fechamento da estrada – acervo Aldeia Serra do Padeiro
A preocupação com a pandemia do coronavírus (Covid-19) e a inação dos gestores públicos motivou as lideranças do Território Indígena Tupinambá de Olivença (litoral sul da Bahia) a implantar ações de prevenção. Dentre elas, a criação de barreiras nas entradas das aldeias com objetivo de controlar o tráfego de pessoas no interior de seu território.
Em 20 de março de 2020, os Tupinambás de Olivença criaram barreiras de fiscalização, em especial nas estradas que cortam o seu território: BA 668 (Buerarema X Una) e BA 669 (São José da Vitória X Una).
Imagem: Mapa do Território Indígena Tupinambá de Olivença
Segundo os indígenas, “a ação foi feita com a anuência de várias lideranças comunitárias não indígenas” e seguem orientações da Organização Mundial de Saúde, bem como da Funai (Portaria Funai Nº 419/PRES, de 17 de março de 2020); da Secretaria Especial de Saúde Indígena -SESAI (ofício Nº 13/2020/DASI/SESAI/MS de 16/03/2020) e do Plano de Contingência Nacional para Infecção Humana pelo novo Coronavírus (COVID-19) em Povos Indígenas, divulgado em 19/03/2020.
SESAI – Ministério da Justiça, 16/03/2020
Após a ação dos indígenas, novas recomendações relativas à prevenção do coronavírus foram publicadas. Dentre elas, a Nota Técnica COE-SAÚDE Nº 16 de 23 de março de 2020, assinada pelo Comitê Estadual de Emergências em Saúde Pública do Estado da Bahia.
Os Tupinambás destacam que “a barreira não impede as pessoas de fazer feira, também aqueles que precisam pegar remédios para os idosos, o carro da saúde, o carro da Coelba, carros de entrega. Todos estão passando. Só não estão passando pessoas que vêm de fora (...)”
Áudio: Glicélia Tupinambá sobre a situação no dia 30/03/2020, a partir do 27´´
Contudo, os pronunciamentos do presidente Jair Bolsonaro incentivando as pessoas irem para às ruas tiveram repercussões no município de Buerarema. Buerarema foi um dos quatro municípios baianos onde, na eleição presidencial de 2018, Bolsonaro teve a maioria dos votos. Os outros municípios foram Eduardo Magalhães (58,80%), Itapetinga (53,69%) e Teixeira de Freitas (50,97%).
No dia 30/03/2020 (segunda-feira), segundo os indígenas “agentes da Polícia Civil e Militar lotados no município de Buerarema estiveram na barreira (da BR 668), fortemente armados e ameaçando as pessoas” que estavam ali. Eles complementam falando que “diante da resistência dos indígenas, (os agentes) prometeram voltar com um contingente maior e mais armados para abrir a barreira na força”.
Áudio: Glicélia Tupinambá sobre a situação no dia 30/03/2020, a partir do 2´25´´
No mesmo dia, as lideranças indígenas comunicaram o ocorrido a Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Assistência Social (SJDHDS) da Bahia. E, solicitaram “instalação de barreiras de vigilância sanitária para as BA 668 e 669 para que seja respeitada a garantia física do Povo Tupinambá de Olivença”. Também informaram o MPF de Ilhéus.
Documento: oficio enviado à SJDHDS-BA
Além disso, segundo o coordenador regional do Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia – MUPOIBA, Agnaldo, “a comunidade designou a descida de 200 guerreiros para o local para garantir a permanência da barreira” e espera que as recomendações relativas à prevenção do Coronavírus (Covid-19) sejam respeitadas e “a garantia física do Povo Tupinambá de Olivença seja garantida”.
Mas a tensão está aumentando na região. Ontem (4/4/2020) no final do dia, policiais militares do Estado da Bahia foram às barreiras sanitárias preventivas contra o Coronavírus e avisaram aos indígenas que tinham ordem de removê-las imediatamente.
Foto: policiais na barreira (acervo Aldeia Serra do Padeiro)
Os indígenas conversaram com os policiais militares que recuaram. Mas disseram que retornarão.
Agnaldo Tupinambá fala que os indígenas podem sair, mas que precisam que o governo da Bahia atenda a solicitação encaminhada de implantação de “barreiras sanitárias” nas rodovias BR 668 e 669, cumprindo o que as diversas recomendações internacionais, nacionais e estaduais preconizam. Ele destaca também que eles (indígenas) querem “fazer valer os nossos direitos de nos proteger dessa pandemia que afeta o mundo e o país”. E concluiu reforçando que “nós não vamos permitir que essa pandemia chegue na nossa aldeia, queremos que o governo coloque barreiras sanitárias nas duas BA 668 e 669.
Áudio: Agnaldo Tupinambá 28 ´´
O coordenador estadual do Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia – MUPOIBA, Kahu Pataxó, destaca que “nós das comunidades indígenas e movimento indígena somos os mais frágeis neste momento. (...) tentamos proteger nossas comunidades, acionando os órgãos competentes. Mas não obtivemos resposta, apenas silêncio”.
“Nós queremos que o governo do Estado da Bahia nos dê segurança e garantia de que pessoas que não são da comunidade, não entrem e coloquem em risco nossos parentes. Queremos as barreiras sanitárias”, destaca Kahu Patacho.
A reportagem procurou a Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Assistência Social e o Ministério Público Federal, mas até o fechamento da matéria não recebemos resposta.
A Policia Civil do Estado da Bahia foi consultada sobre a denúncia de que policiais civis teriam ido à barreira da rodovia 668 e ameaçado os indígenas no dia 30 de março de 2020. A resposta foi: “(...) não houve nenhum policial civil no local e o fato não foi comunicado em nenhuma das unidades ou delegacias que atendem na região”.
Nossa equipe segue acompanhando a situação.
Território Indígena Tupinambá de Olivença
Tradicionalmente ocupado desde a época do Descobrimento, o Território Indígena Tupinambá de Olivença está situado entre os municípios de Ilhéus, Buerarema e Una, no litoral sul da Bahia. Cerca de 80% do território já está ocupado pelos Tupinambá. São 47.366 mil hectares de terra, com cinco mil indígenas no do território e cerca de dois mil nas áreas do entorno. Lá existem aldeias, casas, escolas, postos de saúde e roças.
O Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação do Território Indígena do povo Tupinambá de Olivença (RCID) foi publicado no Diário Oficial de União, em 24 de abril de 2009, e no Diário Oficial do Estado da Bahia, em 19 de maio de 2009.
Nos últimos anos a área tem sido palco de conflitos, violências e até intervenção da Força Nacional (Garantia da Lei e Ordem - GLO 2012) - cerca de 30 lideranças indígenas locais já foram assassinadas.
Documentos e Recomendações
Alguns documentos e recomendações relativos à prevenção do Coronavírus junto aos povos indígenas publicados:
Portaria Funai Nº 419/PRES, de 17 de março de 2020);
Ofício da Secretaria Especial de Saúde Indígena -SESAI para a FUNAI - ofício Nº 13/2020/DASI/SESAI/MS de 16/03/2020;
Nota Técnica COE-SAÚDE Nº 16 DE 23 DE MARÇO DE 2020, assinada pelo Comitê Estadual de Emergências em Saúde Pública do Estado da Bahia;
Plano de Contingência Nacional para Infecção Humana pelo novo Coronavírus (COVID-19) em Povos Indígenas, divulgado em 19/03/2020;
Nota Técnica COE-SAÚDE Nº 16 DE 23 DE MARÇO DE 2020, assinada pelo Comitê Estadual de Emergências em Saúde Pública do Estado da Bahia;
Recomendação nº 11/2020-MPF, de 01/04/2020.