Por mares nunca dantes navegados
Acorrentados de pés e mãos
De nossa terra arrancados
Trazidos pra tormenta da eterna servidão
Em um momento alforriados
Mas da liberdade privados
Vivendo uma vida amaldiçoada
Por algo que não se pediu pra ser
Mas que deveria trazer orgulho
E não desprezo e ódio
De ser a carne mais barata da rua
Com um fuzil à mira da cabeça
Numa sociedade de racismo velado
Que nega nossa história e nossa vida
Vendo sua religião desprezada
E seus mitos ignorados
Seus deuses esquecidos e endemonizados
A cor da sua pele motivo de sarcasmo
E ouvindo que racismo não existe
É só comiseração
A verdade é que você não se importa
Seguidor de um Deus embranquecido e burguês
Você é racista e hipócrita
Protegido por sua pele clara
Você questiona as cotas
Protegido pelo sistema
Você prega meritocracia
Porque nunca passou fome
Nunca foi perseguido na rua pela polícia
Nunca teve um olhar de desconfiança
Jogado no chão como coisa porque é negro
Vendo suas crianças perdendo o olhar de inocência
Pela segurança dos que moram no asfalto
Que negam que preto também é gente
E gente como toda gente deseja afeto e aceitação
Mas você segue protegido
Por sua posição social
Por seu apartamento caro e por suas políticas
Não sabe o que é lutar pra sobreviver
Ser estatística diária de jornal
A maioria desempregado e sem esperança de trabalho honesto
Número quase absoluto na prisão
Raça socialmente desprezada
Lutando por um pedaço de chão
Empurrado para os morros
Trancafiados em favelas
Vivendo em escravidão
E nossas meninas se tornam putas estupradas pelo sistema
E nossos meninos se tornam bandidos
Resultado do racismo e discriminação
Ser negra é raça cansada
De ser estatística de estupro e violência
Deseja também morar no asfalto que não aceita ela
Mas ela segue em frente
Não desiste de seu sonho não se arreda de sua luta
Segue resistindo bravamente contra tudo que não deseja sua existência
Vai seguindo em frente com orgulho
Espalhando esperança como semente e acreditando no dia
Em que racismo seja apenas uma palavra esquecida
Rabiscada na página de um livro esquecido
Em uma biblioteca perdida.
Jairo Carioca, Psicanalista.